Data do Acórdão: 24-01-2017
I – O condomínio resultante de propriedade horizontal não possui personalidade jurídica, estando apenas dotado de personalidade judiciária nos termos do artigo 12º, al.e) do Código do Processo Civil.
II – A intervenção do condomínio, representado em juízo pelo administrador, é, assim, processualmente legítima embora a eventual sentença condenatória contra o Condomínio vincule necessariamente os condóminos.
III – Em sede de instância executiva de sentença proferida contra o condomínio de um prédio constituído em propriedade horizontal, os respectivos condóminos podem ser igualmente demandados na medida dos limites dos valores de cada uma da(s) fracção(es) autónomas respectivas.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Recorrente(s): B…;
Recorrido(s): Condomínio do Prédio Sito na Rua … N° .. A ...
Comarca do Porto - Porto - Instância Central – 1ª Secção de Execução
I - Relatório
A exequente B… veio requerer que a presente execução passe a correr contra os "condóminos" que compõem o condomínio ora executado, Condomínio do Prédio Sito na Rua … N° .. A ...
O título executivo na origem dos presentes autos é uma sentença judicial, proferida no âmbito da acção ordinária que correu os seus termos sob o nº 259/05.7TVPRT, em que foi autora a ora exequente B… e réu Condomínio do Prédio Sito na Rua … N° .. A .., em que se decidiu: «A) Condenar o réu a proceder às obras de reparação da canalização e das condutas de água, bem como à reparação do revestimento e colocação de azulejos referida em 2) da factualidade assente; B) Condenar o réu a reparar os prejuízos causados (...)».
Posteriormente, terá sido, através de liquidação, convertida a presente execução a qual é agora para pagamento de quantia certa, no caso de 13.265,00€ (treze mil e duzentos e sessenta e cinco euros).
O tribunal apelado proferiu a decisão, agora alvo de recurso, a qual, na sua parte dispositiva, ora se reproduz:
“Face ao exposto, os condóminos são parte ilegítima na presente execução, pelo que se indefere o requerimento de chamamento dos mesmos.
Custas do incidente pela requerente.”
*
Inconformado com este despacho, dele recorreu a exequente B…, apresentando as respectivas alegações e formulando as conclusões que agora se reproduzem:
1. A aqui Recorrente apresentou nos Autos, através de "Comunicação a Agente de Execução" o requerimento datado de 03/02/2015, que aqui se reproduz para todos e devidos efeitos legais;
2. Requerimento esse que foi pela Ilustre Agente de Execução nomeada nos Autos submetido à apreciação do Douto Tribunal de Instância Inferior;
3. E sobre o qual recaiu o despacho elaborado em 09/06/2016, que decidiu indeferir o pedido da Exequente, aqui Recorrente;
4. Por alegada ilegitimidade das partes que a Exequente pretende chamar à Execução;
5. Ora, não podemos pois concordar com tal apreciação;
6. Desde logo porque a decisão carece de fundamentação, fazendo, salvo o devido e merecido respeito, uma aplicação incorrecta da lei concretamente aplicável;
Vejamos,
7. Por sentença declarada no âmbito do processo 259/05.7TVPRT, da 3.a Secção Cível da Comarca do Porto, foi condenado o Condomínio do prédio sito na Rua …, n.º .. a .., executado nos Autos, a proceder às obras de reparação, bem como a reparar os prejuízos causados;
8. Ora, transitada que foi a sentença em julgado, o Condomínio voluntariamente nada fez, pelo que a Exequente viu-se forçada a instaurar a competente acção executiva;
9. Nessa sequência, instaurada que foi a execução para prestação de facto, o Condomínio voltou a não cumprir a sentença a que foi condenado;
10. Nessa sequência, foi convertida a execução para prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa;
11. Todavia, todas as tentativas de penhora foram frustradas: as quotas de condomínio não são pagas, não existe fundo de reserva comum, não há seguro, não são realizadas Assembleias de Condóminos, os bens comuns do edifício restringem-se a vãos de escada, vasos e porta de entrada do edifício;
12. Pelo que, nada mais resta à exequente que não fazer executar a sentença quanto aos próprios Condóminos;
13. Sendo esse o intuito do requerimento por si apresentado em 03/02/2015, e que submetido a apreciação do Tribunal “a quo” foi indeferido;
14. Tendo esse indeferimento se fundado em alegada ilegitimidade dos Condóminos para serem executados nos presentes Autos;
Posto Isto,
15. E aqui chegamos ao cerne deste recurso: Será pois que a condenação acima referida em 7. e a posterior execução não pode ser alargada aos Condóminos? Não existirá quanto a eles título executivo?
16. Em nosso singelo entender não resultam quaisquer dúvidas de que a sentença proferida condena todos os condóminos não obstante literalmente apenas se referir ao condomínio;
Isto porque,
O condomínio é uma figura jurídica formal;
Isto é, não tem personalidade jurídica nem capacidade jurídica, mas tem personalidade judiciária - vide artigos 66.º e 67.º do Código Civil e 11.º e 12.º do Código de Processo Civil;
19. Ou seja, o condomínio não pode ser sujeito de quaisquer jurídicas;
20. A personalidade judiciária que lhe é conferida é por uma questão de economia, evitando que todos os condóminos sejam parte numa acção, seja do lado passivo seja activo, quanto a questões referentes ao próprio condomínio;
21. A figura processual do condomínio mais não é que a figura de representação de todos os condóminos;
22. O condomínio é parte processualmente legitimada a intervir, mas de facto são todos eles que se encontram na acção, seja activa seja passivamente;
23. Pelo que, sendo havendo sentença, seja favorável ou desfavorável, a todos vincula;
24. Aliás outra solução não seria enquadrável no nosso Ordenamento jurídico, senão vejamos: a lei dá poderes ao Administrador do Condomínio para o fazer representar, bem como aos seus Condóminos, legitimando-o a agir em juízo, seja contra terceiros ou próprios Condóminos ou sendo demandado por eles nas acções respeitantes às partes comuns - cfr. artigos 1435.°, 1436.° e 1437.° do Código Civil;
25. Bem como, e no referente às partes comuns do edifício, sendo estas compropriedade dos Condóminos, prescreve a lei que na compropriedade (1421.° e 1403.° e seguintes do Código Civil);
26. E nessa medida, são os próprios condóminos que são parte da acção, apenas se encontrando representados por terceiro: usualmente o Administrador de Condomínio;
27. Assim sendo, a sentença proferida na instância cível condenou o conjunto de condóminos, e portanto, existe quanto a eles título executivo válido e eficaz, nos termos do disposto no artigo 703.° do CPC;
28. Sendo pois partes legítimas na instância executiva;
29. Aliás, o que é corroborado na doutrina e jurisprudência supra mencionada nas Alegações;
Termina requerendo a revogação do despacho de indeferimento do requerimento apresentado pela Exequente na data de 03/02/2015, por violação do disposto nos artigo 11.°, 12.°, 703.° do Código de Processo Civil, e ainda nos 66.°, 67.°, 1403.° e ss; 1414.° e ss, nomeadamente 1435.°, 1436.° e 1437.° estes do Código Civil, bem como dos princípios da Justiça, Legalidade, de acesso à Justiça e de Igualdade, devendo consequentemente o mesmo ser admitido com as demais consequências legais, nomeadamente o prosseguimento dos Autos para execução dos Condóminos.
Dos autos não constam contra-alegações.
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II – Questões a Apreciar
A única questão a apreciar nos autos diz respeito à legitimidade dos condóminos serem demandados no âmbito da presente instância executiva tendo em conta que a sentença dada à execução apenas condenou o Condomínio do prédio em causa nos autos.
III - Factos provados
Os factos provados são os que constam do relatório que antecede.
IV - Fundamentação de direito
O presente recurso encontra-se, naturalmente, delimitado no seu objecto pelas alegações e conclusões da apelante.
Donde, temos apenas uma única questão a dirimir nos autos – a de saber se, no âmbito de uma execução de sentença em que a condenação incidiu sobre um dado condomínio, podem ser executados os condóminos que o compõem.
A sentença apelada entendeu, doutamente, que o Condomínio não é demandado em representação dos condóminos mas por si próprio; assim, tendo capacidade e personalidade judiciária autónomas, não pode ser substituído processualmente pelos condóminos “numa execução de sentença em que aqueles nunca foram citados, no fundo num processo em que não foram tidos nem achados”. Por outro lado, argumenta que as acções executivas, quanto à legitimidade, são regidas por disposições especiais (artigos 53° ss. do Código de Processo Civil) constituindo regra que as partes legítimas, do lado passivo, são apenas as que constam do título como devedores apenas sendo admissíveis as excepções legalmente previstas, nomeadamente nos artigos 54°, 55° e 741° do Código de Processo Civil, nenhuma deles com cabimento nos autos.
Concluiu, assim, por entenderem serem os condóminos parte ilegítima na presente execução, indeferindo-se o requerimento de chamamento dos mesmos.
Pois bem. Numa qualquer acção declarativa, como a que esteve na origem da sentença dada à execução, apenas deve estar, como réu, o condomínio, a quem a lei atribui, para o efeito, personalidade judiciária nos termos do art. 12.º al. e) do Código do Processo Civil. O Condomínio surge representado pelo administrador (art. 1437º do Código Civil) muito embora aquele não tenha personalidade jurídica como decorre expressamente do citado 12º que ficciona a personalidade judiciária do condomínio relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (desenvolvidamente, Ac. do STJ de 4.10.2007, processo 07B1875, em dgsi.pt).
Estando em causa a propriedade horizontal, coexistem na mesma pessoa – cada um dos condóminos - dois tipos de propriedade: um direito de propriedade exclusiva de uma ou mais frações do edifício e um direito de compropriedade nas partes comuns desse edifício: art. 1414º e 1415º do Código Civil.
Temos, pois, que as partes comuns do edifício são compropriedade dos diferentes condóminos, que, no seu conjunto e na proporção das respetivas quotas, se assumem como os titulares dos direitos ou das obrigações, dos créditos ou dos débitos emergentes de responsabilidade civil quanto às partes comuns do prédio; por isso se diz que a personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal já que os condóminos é que são “partes” na causa.
Como escreve Miguel Mesquita, “No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a “máscara” do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado activo ou do lado passivo da instância. (...) O condomínio é a ‘capa’ processual dos condóminos, uma ‘capa’ que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação. E, finalmente, mais adiante:
“A pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente, estas pessoas.” (citamos o artigo “A personalidade judiciária do condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos - anotação ao Acórdão do TRL de 25.06.2009, 4838/07.0TBALM.L1-8, Cadernos de Direito Privado, nº. 35, Julho/Set. 2011, págs. 50 e 51).
Donde, não sendo o condomínio de “per si” parte na acção, a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, que são efectivamente “partes” no sentido de serem vinculados pela decisão proferida, a qual pode ser executada contra estes (por todos, na jurisprudência, vide Acórdãos da Relação de Lisboa de 20.6.2013 ou de Coimbra de 15 de Outubro do mesmo ano, ou ainda na doutrina, Sandra Passinhas, em “A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal”, Almedina, 2000, pág. 330, onde se pode ler sintomaticamente que “…sentença que condene o condomínio a pagar determinada quantia vale, enquanto título executivo, contra todos os condóminos”).
Os motivos para esta “elasticidade” da decisão prendem-se, como vimos, em termos jurídicos, com a circunstância de a parte vinculada aos efeitos da decisão não ser propriamente a parte processual, pessoa judiciária em si mesma desprovida de personalidade jurídica, mas também com a própria constatação fáctica que o Condomínio de um qualquer prédio não dispõe de bens relevantes que possam ser executados na estrita medida em que o mesmo apenas existe para administrar as partes comuns compostas por bens (telhados, escadas, elevadores, etc.) que não são cindíveis, não têm qualquer valor autónomo e estão incorporados ao funcionamento e funcionalidade dos bens privados (as frações autónomas) de cada um dos condóminos, por sua vez comproprietários dessas partes comuns.
Temos, pois, que deverá proceder, na íntegra, o recurso deduzido, possibilitando-se a demanda executiva dos condóminos em função dos limites dos valores de cada fracção ou frações autónomas respectivas.
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Sumariando o decidido (art. 663.º, nº7 do Código do Processo Civil):
I – O condomínio resultante de propriedade horizontal não possui personalidade jurídica, estando apenas dotado de personalidade judiciária nos termos do artigo 12º, al.e) do Código do Processo Civil.
II – A intervenção do condomínio, representado em juízo pelo administrador, é, assim, processualmente legítima embora a eventual sentença condenatória contra o Condomínio vincule necessariamente os condóminos.
III – Em sede de instância executiva de sentença proferida contra o condomínio de um prédio constituído em propriedade horizontal, os respectivos condóminos podem ser igualmente demandados na medida dos limites dos valores de cada uma da(s) fracção(es) autónomas respectivas.
V – Decisão
Pelo exposto, julga-se totalmente procedente o recurso deduzido, revogando-se a decisão proferida que deverá ser substituída por outra que admita os condóminos como executados.
Custas a cargo dos executados.
Porto, 24 de Janeiro de 2017
José Igreja Matos
Rui Moreira
Fernando Samões